MORTALIDADE

No âmbito do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos (SMLM) implementado pelo ICNF, entre 1995 e maio de 2023 foram recolhidos 133 lobos mortos em território nacional, correspondendo a uma média de 4 a 5 animais por ano, número que se tem mantido mais ou menos constante na última década, depois de ter alcançado o máximo de 10 lobos mortos em 2004.

Número de lobos mortos analisados pelo SMLM entre 1995 e 2022. Fonte: ICNF

Os lobos foram recolhidos em toda a área de distribuição da espécie, mas proporcionalmente em maior número na região Noroeste e a sul do rio Douro, se considerarmos o número de lobos que se estima existir nessas regiões. Este facto poderá estar relacionado com a existência de um maior conflito, resultante da predação no gado (em particular, na região noroeste), ou da presença de mais projetos de investigação e monitorização nessas regiões, permitindo aumentar a deteção de lobos mortos.

Os dados relativos a 123 desses lobos, recolhidos até maio de 2023 e que foi possível necropsiar, indicam que o atropelamento foi a causa de morte mais detetada (30%), seguida das armadilhas de laço (20%), do tiro (19%), do veneno (3%), das doenças (5%), incluindo doenças infecciosas e parasitoses, e da interação com outros animais (4%), incluindo a agressão por outros canídeos, como lobos ou cães. Em 7% dos animais a morte resultou de um traumatismo de origem desconhecida (possivelmente causado em confrontos com as presas ou acidentes) e para outros 12% não foi possível determinar a causa. Num dos casos a morte resultou de complicações decorrentes da captura para fins científicos.

Causas de morte dos lobos analisados pelo SMLM, entre 1995 e maio de 2023. Fonte: ICNF

O atropelamento foi a causa de morte mais detetada em virtude dos animais atropelados serem encontrados mais facilmente. Por outro lado, o número de mortes por envenenamento está claramente subestimado, por ser uma causa de morte que resulta na deteção difícil dos animais que morrem envenenados. Além disso, nem sempre é possível detetar a presença de tóxicos no animal. Com efeito, as análises efetuadas a 12 lobos que apresentavam suspeita de terem sido envenenados apenas permitiu confirmar o envenenamento em 4 deles.

As doenças infecciosas (causadas por vírus, bactérias ou outros microorganismos) ou as parasitoses (causadas por parasitas como os ácaros da sarna ou a leptospira) podem ter um impacto considerável nas populações de lobo, afetando a condição física, a produtividade e a sobrevivência dos indivíduos. As principais doenças identificadas nos lobos em Portugal são a esgana, o parvovírus canino e a sarna sarcóptica. De acordo com o SMLM, as doenças infecciosas foram confirmadas como causa de morte de um reduzido número de lobos, maioritariamente de crias com idade inferior a um ano.

No entanto, este valor poderá ser superior, uma vez que estas causas de morte naturais envolvem cadáveres difíceis de encontrar ou indivíduos debilitados que acabam por morrer devido a causas humanas. Com efeito, vários estudos sobre os lobos em Portugal detetaram a presença frequente de anticorpos para o vírus da esgana e o parvovírus, para além de uma proporção elevada de animais seropositivos para a sarna. Estas doenças são, muitas vezes, transmitidas aos lobos por cães com dono ou por cães assilvestrados.

Cria de lobo com Sarna – Alcateia da Anta (Monção). Foto: Francisco Álvares

Lobo com Sarna - Alcateia da Cruz Vermelha (Paredes de Coura). Foto: João Ferreira

A incidência das causas de morte apresenta variações regionais, dependendo das atividades humanas que ocorrem na região e do nível de conflito com as mesmas. Com efeito, na região do Alto Minho, o seguimento de lobos por telemetria GPS, entre 2006 e 2013, permitiu estimar a incidência real das causas de morte que mais afetam estas alcateias. De um total de 15 lobos seguidos por telemetria, 40% (6) foram mortos, durante o período de seguimento, por tiro (50%), laço (33%) e veneno (17%), refletindo uma intensa perseguição ilegal.

Apesar da sua proteção legal, atualmente, as principais causas de morte do lobo em Portugal são de origem humana, destacando-se o atropelamento e o abate ilegal, através de tiro, armadilhas de laço ou veneno. A importância dos humanos como causa de mortalidade do lobo já se verifica desde há décadas,  apesar de com uma variação temporal no tipo e na incidência das formas de abater este animal. Uma análise realizada na região Noroeste do país, tendo por base informação e evidências recolhidas junto das comunidades rurais, e abrangendo um período compreendido entre as primeiras décadas do século XX e 2005, mostra que ao longo das últimas décadas, antes da espécie estar totalmente protegida, outras causas de morte, como a recolha de ninhadas e a caça através de batidas ou Fojos, tiveram uma relevância maior, como mostra o gráfico seguinte.

Evolução por década da frequência das várias causas de morte de lobo na região noroeste de Portugal. Fonte: Álvares (2011)

A recolha de ninhadas e as capturas em batidas ou montarias (muitas vezes com recurso aos Fojos do lobo), foram frequentes até meados do século XX, enquanto os atropelamentos e as armadilhas, de ferros ou de laço (incluídas na categoria “Outras”, juntamente com a morte causada por paulada, por cães de gado e por outros lobos) têm tido uma incidência crescente, mas somente a partir da década de 1970.

A morte por envenenamento tem sido constante, atingindo valores elevados na década de 1940, mas também nas últimas décadas do século XX, incluindo após a proteção legal do lobo. Este método de eliminação do lobo generalizou-se a partir do século XIX como uma eficaz forma de matar lobos, mediante o uso da Estricnina ou “mata-lobos”, nome pelo qual também ficou conhecida, uma vez que foi a principal responsável pelo extermínio da espécie em muitas regiões de Portugal. Apesar da comercialização da Estricnina ser atualmente proibida, continua a ser detetada nas análises laboratoriais de animais envenenados, assim como os Organofosforados, tóxicos de uso agrícola. Com efeito, dos 4 casos de lobos analisados pelo SMLM em que foi possível confirmar o envenenamento, os tóxicos usados foram Organofosforados (3) e Estricnina (1).

O uso do veneno envolve a sua introdução num isco colocado num local estratégico para ser consumido pelo lobo (p.ex., carcaça de um animal morto ou pedaço de carne). Um único isco envenenado pode causar a morte de vários lobos, incluindo o extermínio de uma ou mais alcateias. Além disso, pode também matar todas as espécies animais que o consumam, incluindo cães domésticos ou insetos, aves de rapina e outros mamíferos carnívoros, muitos deles ameaçados de extinção.

Fontes:
Álvares (2011) Ecologia e Conservação do lobo, Canis lupus L., no Noroeste de Portugal. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Álvares et al. (2015) Situação de referência para o Plano de Ação para a Conservação do Lobo-ibérico em Portugal. ICNF/CIBIO-INBIO/CE3C/UA.
Conceicão-Neto et al. (2017) Viral gut metagenomics of sympatric wild and domestic canids, and monitoring of viruses: insights from an endangered wolf population. Ecology and Evolution 2017, 1-12.
ICNF (2023, Inédito) Sistema de Monitorização de Lobos Mortos. ICNF.
Pimenta (2020) Sistema de Monitorização de Lobos Mortos. In: Santos et al. Estratégias de Combate ao Uso Ilegal de Venenos em Portugal. Jornada Técnica. Livro de comunicações. Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural.  
Santos, N.; C. Almendra & L. Tavares (2009). Serologic survey for Canine Distemper Virus and Canine Parvovirus in free-ranging wild carnivores from Portugal. Journal of Wildlife Diseases, 45(1): 221-22
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